Em cartaz nos longas O Pai da Rita e O Papai é Pop (disponíveis na plataforma de streaming Globoplay), no filme de animação Tromba Trem, no qual vive a voz original da protagonista Rainha Cupim, o longa Rir Para Não Chorar e o filma Nas Ondas da Fé, a jornalista, escritora e atriz Elisa Lucinda faz da poesia e a beleza das palavras suas maiores inspirações nos trabalhos que desenvolve nas artes cênicas. Seu mais recente livro Quem me leva para passear, o segundo da coleção O Pensamento de Edite, foi finalista Prêmio Jabuti 2022 na categoria Romance de Entretenimento.

 

Com 35 anos de carreira artística e 19 livros publicados, um documentário sobre a vida de Elisa está por vir, projeto dirigido pela conceituada e jovem diretora Glenda Nicácio que, segundo a própria artista, trará um recorte inteligente sobre sua vida e a arte que nela produz. Ao falar sobre sua relação com a poesia, a atriz conta que que os versos chegaram em sua vida ainda criança como um alicerce para sua identidade e transmutação de suas experiências artísticas.

 

“Para mim, rapidamente um pãozinho fresco pode se transformar poema, porque eu fui educada nessa base. Passei dos 11, quando comecei as estudar poesia, aos 17 anos fazendo recitais pelo menos duas vezes por ano e nunca mais parei”, conta ela que também é educadora e diz que a poesia ainda é uma arte discreta “Deveria ser uma disciplina das escolas públicas e particulares, além de ser obrigatória nas faculdades de Teatro, pois o teatro ensina a viver”, defende.

 

Elisa conta que veio de uma família de contadores de histórias, o que funcionou como um estímulo e uma escola. As narrativas de sua avó materna eram intercaladas por suspenses, enquanto ela “manipulava com as mãos o fumo de rolo que iria mascar” e a avó paterna, de quem herdou o nome, contava histórias fazendo os sons como se fosse uma trilha para as ações.

 

O pai, advogado, professor de português e criativo contador de casos, junto de sua mãe, faziam ecoar pela casa canções recheadas de enredos de “Dolores Duran e Herivelto Martins à Lupicínio Rodrigues e Luiz Gonzaga”. Sem contar as grandes lições cênicas que lhe foram dadas pela professora de declamação ou de “interpretação” teatral da poesia, como ela mesmo diz, Maria Fillina, hoje com 92 anos.

 

Foi nesse celeiro cultural que a poeta cresceu, se tornou jornalista, e foi parar nos braços do teatro já dentro da universidade quando participou do primeiro grupo amador em terras capixabas. Ao mesmo tempo em que entrevistava artistas conhecidos para o jornalismo da Globo, a poeta mergulhou nas peças universitárias, no mesmo palco em que havia se apresentado em muitos recitais. Daí veio a coragem de largar a reportagem se mudar para o Rio atrás do sonho de ser atriz, época que entrou na CAL – Casa das Artes de Laranjeiras, para estudar artes dramáticas. “Eu não queria mais dar a notícia, eu queria ser a notícia. Foi o que eu disse para os meus pais”, afirma.

 

O marco inicial de sua carreira artística, na cidade maravilhosa, aconteceu em seu primeiro recital no Posto 9 (Rio de Janeiro), quando agradou, impressionou e surpreendeu a todos ao interpretar poemas seus num recital coletivo de jovens poetas ao ar livre. Tal fato lhe rendeu imediatamente convites para fazer seus recitais em bares e outros espaços culturais do país, nos quais a pedido do público passou a vender avulsamente seus poemas antes de iniciar com a publicação dos seus primeiros livros independentes.

 

Em um segundo importante momento, a atriz faz questão de pontuar a entrada de Zezé Polessa em sua vida, quando dirigiu o espetáculo “O Semelhante”, extraído de seu livro homônimo (cujo CD de poesia está hoje disponível em plataformas de streaming musical, onde interpreta seus versos ao lado de nomes como Paulo José, Miguel Fallabela entre outros). Vale destacar em sua trajetória a importância do publicitário Mauro Salles como mentor e parceiro em sua vida artística nacional.

 

A seguir, no início da década de 90, a poeta ganhou Candango de Ouro como Atriz Revelação, logo em seu primeiro curta, que concorreu no Festival de Brasília, o que abriu os caminhos para outras premiações ao longo da carreira. Paralelamente, ela explorava a multidisciplinaridade da poesia ao atuar junto com empresas que desejavam trabalhar o lado emocional dos funcionários por meio da cultura.

 

A reviravolta na vida da multiartista veio quando conheceu o publicitário Mauro Salles que apresentou sua literatura e sua performance aos formadores de opinião do país. O que resultou na publicação do seu primeiro livro na Editora Massao Ono, em 1995 e ao contrato com a editora Record, em 1998. Na sequência fez a novela “Mulheres Apaixonadas” (2003), na qual fazia a Pérola, era a ex-mulher do Tony Ramos. Aliás, o primeiro par negro que Tony teve até então. Dali, Elisa emendou sua segunda novela de Manoel Carlos, “Páginas da Vida” (2006), onde interpretava uma médica, a Dra Selma. Em seguida vieram Aquele Beijo, Lado a Lado, entre outras.

 

Entre tantas personagens no cinema, teatro e na TV, desfilam Álvaro de Campos, Adélia Prado, Neide, Gladys, Conceição, Dalva, Consolação… A poeta e atriz brilha também nas séries que estão no ar: Os Desjuntados, Manhãs de Setembro e Não Foi Minha Culpa.

Sobre a afrodescendência nas artes cênicas, Elisa pontua que muito ainda falta a ser conquistado, como a normalização do protagonismo negro, o que também acontece no jornalismo, que não tem em suas bancadas nem metade do elenco preto.

 

“Infelizmente muitas de nós morremos sem nunca termos protagonizado nada”, lamenta ao citar o projeto chamado ‘Cartas para’ da Vânia Lima, protagonizado por três poetas afrodescendentes, de Portugal, Moçambique e ela do Brasil. No entanto, comemora a presença dos artistas negros no audiovisual atual em um número elevado, sem precedentes num passado recente. Neste momento, Elisa Lucinda vive a personagem Marlene, mãe da protagonista Sol, vivida por Sheron Menezes, na próxima novela das 19h na Tv Globo, Vai na Fé, em que integra um elenco em grande parte negro, bem como a presença afrodescendente na equipe entre roteiristas, diretores, diretores de arte, produção, fotografia, entre outros.

 

Sobre Elisa Lucinda

Poeta, atriz, intérprete, jornalista e professora. Tem publicados 19 livros. Entre poesia e prosa: O semelhante, Eu te amo e suas estreias, A fúria da beleza, Vozes Guardadas, além dos romances O cavaleiro de nada, uma autobiografia de Fernando Pessoa finalista do prêmio São Paulo de Literatura em 2015, e a coleção O Pensamento de Edite, onde Quem me leva para passear, 2º livro da coleção, foi indicado ao Prêmio Jabuti 2022 na categoria Romance de Entretenimento. É também autora da coleção infantil Amigo Oculto, pela qual ganhou o prêmio Altamente Recomendável da FNLIJ. Através da Casa Poema, instituição cultural em sociedade com a atriz Geovana Pires, a multiartista desenvolve projetos que popularizam a poesia para todas as idades, como “Versos de liberdade” que ensina a palavra poética aos jovens que cumprem medidas socioeducativas, além de cursos de poesia falada para professores e profissionais de áreas diversas.

Vencedora do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cinema de Gramado, pelo conjunto da obra no ano de 2020. No ano seguinte, a atriz e escritora tomou posse na Academia Brasileira de Cultura, ocupando a cadeira de Olavo Bilac, figurando entre nomes como: Zeca Pagodinho, Elza Soares, Christiane Torloni, Ana Botafogo, Carlinhos de Jesus, entre outros. O espetáculo que deu origem ao livro Parem de falar mal da rotina, que em 2022 recebe uma edição revisada, está fazendo 20 anos de estrada com milhões de expectadores e leitores, fervorosos fãs e seguidores das inspiradas ideias dessa artista.